Foi recentemente publicado no México uma análise da obra narrativa e ensaística de Paul Auster, da autoria da escritora Ivonne Saed, intitulada Paul Auster: autoría, distopía y textualidad.
Segundo a autora, a obra de Paul Auster centra-se em três aspectos: o conceito de autoria e a sua relação com a solidão; a distopia da esperança e a utopia ultrapassada; e a cidade como metáfora do Génesis e elemento indispensável da narrativa de Auster.
Para abordar estes temas, Ivonne Saed examinou principalmente os três romances que, em seu entender, melhor englobam as preocupações do autor com o presente.
Em Inventar a Solidão, Auster parte de uma fotografia para desconstruir a memória e o duelo perante a morte por intermédio da reescrita do eu.
Em No País das Últimas Coisas, a acção passa-se num espaço distópico que ultrapassa os mitos conhecidos de cidades apocalípticas.
E, finalmente, Cidade de Vidro, na qual pega no mito babilónico para falar de memória e do duelo como geradores de vida, assim como desse grande texto por decifrar que é a cidade como conceito.
Uma constante da narrativa de Auster é o facto de, desde as primeiras linhas, o leitor ficar entrelaçado num enredo que, no entanto, ainda está por contar. E com algumas palavras, antecipa um desenlace.
Ivonne Saed tem vindo a realçar, desde há alguns anos, em artigos publicados no México, que a premissa fundamental do trabalho criativo de Paul Auster se pode resumir a uma frase que o próprio escreveu quando tinha dezanove anos: “The world is in my head. My body is in the world.”
Para o escritor norte-americano, escrever é um exercício necessário para unir os fios de coincidências que inundam o quotidiano. A sua condição de autor não pode ser separada da do ser humano comum.
As suas obsessões literárias andam à volta do acaso, da memória, Nova Iorque como cidade babilónica, mas também da necessidade de comer para escrever e escrever para comer.
(Texto escrito a partir de um artigo publicado no El Universal)
O videocplipe de Disarm, dos Smashing Pumpkins, foi inspirado em Mr. Vertigo. O videoclipe passou pela primeira vez na MTV em 1993 e foi nomeado em duas categorias para os MTV Music Video Awards, as primeiras nomeações dos Smashing Pumpkins para os prémios da MTV.
“Romance fundamental de um dos melhores e mais premiados escritores norte-americanos contemporâneos… Uma radiografia policromática da vida americana dos anos 20, feita de histórias dentro de histórias, a que não falta aventura, risco e humor e, claro, uma escrita que faz voar o leitor pelas dimensões mágicas da boa literatura, impulsionado por diálogos em que a fantasia e a realidade, o mítico e o quotidiano, se tornam, pela extraordinária narrativa de Paul Auster, indissociáveis e coniventes.”
“…Auster aproveita para percorrer momentos fundamentais da História americana, questionar a ascendência e a decadência de mitos e ‘estrelas’ e para explorar, de forma simples e directa, as trocas culturais que estão na base dos EUA. Um equilíbrio entre consciência e fantástico que o autor sabe dominar sempre nos limites.”
“Tecido como um volume de memórias contadas pelo próprio herói no fim da sua vida, é um livro imperdível, provavelmente um dos mais belos e mágicos que Auster escreveu.”
“Mais um desconcertante e brilhante romance de Paul Auster conhece tradução portuguesa. Mr. Vertigo conta a história de um rapaz que aprendeu a voar, metáfora perfeita para um país onde o sonho comanda a vida.”
Isso é um grande mistério para mim. Não sei de onde surgiu. Durante anos carreguei comigo uma história nunca muito bem definida sobre um mestre e o seu discípulo, e que nem era verdadeiramente uma história mas uma situação. Quando me sentei a escrevê-la, pensei que ela teria cerca de vinte páginas. Pelos vistos, estava enganado.
Disse uma vez a um entrevistador: “emoções muito fortes, até mesmo traumas, geram as minhas histórias.” Foi o caso de Mr. Vertigo?
Mais uma vez, cada livro que escrevo é como um enigma para mim. Nunca sei o que estou a fazer ou por que o faço. Há apenas a compulsão para o fazer, a necessidade imperiosa de passar a história ao papel. Às vezes, mais tarde, depois de o livro estar escrito, tenho vislumbres que me levam a compreender a sua origem, pequenas pistas. Com Mr. Vertigo, penso que teve a ver com a ideia de cair de lugares altos. Digo isto da mesma forma que um antropologista o diria, baseado unicamente na observação e no que vejo com os meus próprios olhos. Consigo lembrar-me de vários livros que escrevi em que as pessoas caem. No País das Últimas Coisas, Anne Blume atira-se de uma janela no último andar de um prédio de modo a salvar--se; ela não morre, mas isso altera o curso da sua vida. Em Palácio da Lua, o pai obeso de Fogg cai para dentro de uma sepultura aberta e parte a coluna. Em Leviathan, gira tudo à volta de um homem a cair de umas escadas de emergência. Penso que tudo isto (mas como é que eu posso verdadeiramente saber?) pode estar relacionado com algo que aconteceu ao meu pai quando eu era criança. Ele estava a trabalhar num telhado, escorregou e caiu. Se não fosse um estendal a aparar a queda ele teria provavelmente morrido. Apesar de não ter presenciado isso, carreguei essa imagem na minha mente durante toda a infância: o meu pai a voar. Talvez seja essa a fonte, o que está no cerne da minha estranha obsessão.
Uma das coisas de que mais gosto no livro é a combinação do espiritual com o mundano. Ambos estão presentes no personagem do Mestre Yehudi: às vezes ele soa como um sacerdote zen e outras vezes como um bufarinheiro.
Ele é um personagem bastante complexo. Por um lado, é um vigarista, um charlatão, apenas interessado em fazer rios de dinheiro – tal como toda a gente na América. Por outro lado, ele tem uma faceta profundamente espiritual. Está interessado nas verdades espirituais. Ao desafiar as leis da Natureza, como se propõe a fazer com Walt, ele coloca-se numa situação bastante difícil perante Deus, o Universo e o Homem. E o Mestre Yehudi reflecte muito sobre estas coisas. Leva-as muito a sério.
Tinha doze anos quando caminhei sobre as águas pela primeira vez. Foi o homem de preto quem me ensinou a fazer isso e não vou pôr-me para aqui com histórias e dizer que aprendi o truque da noite para o dia. Quando Mestre Yehudi me descobriu eu tinha nove anos e era um dos muitos miúdos órfãos que mendigavam nas ruas de Saint Louis, e só ao fim de três anos de um treino incessante é que ele me deixou mostrar as minhas habilidades em público. Isso aconteceu em 1927, o ano de Babe Ruth e Charles Lindbergh, esse mesmo ano em que a noite começou a cair sobre o mundo para todo o sempre. Continuei a trabalhar até poucos dias antes do crash de Outubro e devo dizer que aquilo que fiz nesses poucos anos foi maior do que tudo o que aqueles dois cavalheiros possam ter sonhado. Eu fiz o que nenhum americano tinha feito antes de mim, o que ninguém fez desde então.
Mestre Yeahudi escolheu-me porque eu era a mais pequena, a mais imunda, a mais abjecta de todas as criaturas. “Não vales mais do que um animal”, disse-me ele, “não passas de um pedaço de nada humano”. Essa foi a primeira frase que ele me disse, e, apesar de terem passado sessenta e oito anos desde essa noite, é como se estivesse a ouvir ainda as palavras da boca do mestre. “Não vales mais do que um animal. Se continuares assim, não chegarás vivo ao fim do Inverno. Se vieres comigo, ensinar-te-ei a voar.”
“Tinha doze anos quando caminhei sobre as águas pela primeira vez.” Começa assim a história de Walter Claireborne Rawley, conhecido em toda a América como o Rapaz Prodígio. Estamos no final dos anos 20, a era de Babe Ruth, Charles Lindbergh e Al Capone. Walter é um órfão resgatado das ruas pelo misterioso Mestre Yehudi, que o alicia com a promessa de o ensinar a voar. Um desafio às leis da natureza que os coloca numa situação peculiar perante o Homem, Deus e o Universo. Unidos por tão bizarra combinação de espiritualidade e mundanismo, mestre e discípulo percorrerão uma vasta e vibrante América, onde se cruzam com pecadores, ladrões e vilões, desde o Ku Klux Klan do Kansas até à máfia de Chicago. A ascensão de Walt à fama e à fortuna espelha, em última instância, a passagem da América à maioridade; a capacidade de adaptação e resistência de ambos é constantemente posta à prova, numa história que pode ser a de cada um de nós.
Num romance que contempla com naturalidade o lado mágico e improvável da vida, é-nos revelado um segredo: voar, afinal, é fácil.