O The Sunday Times escolheu Elegia para um Americano, de Siri Hustvedt, como uma das melhores 100 leituras deste Verão. Pode consultar a lista completa aqui.
Siri Hustvedt, romancista, ensaísta e poeta norte-americana, tem todos os seus romances traduzidos em Portugal, o último dos quais Elegia para um Americano. A crítica internacional não lhe poupou elogios, e com razão: trata-se de um grande romance, em que a autora, de ascendência norueguesa, traça o retrato perturbador de uma família que, como todas as famílias, tem as suas histórias, segredos, mentiras e fantasmas, reveladores, para o discurso psicanalítico, do material recalcado e inconsciente que povoa a psique humana. Nesta medida, a psicanálise muito deve à arte em geral e à literatura
Crítica de Vítor Quelhas a Elegia para um Americano, de Siri Hustvedt, publicada no Expresso, no sábado.
Siri Hustvedt. Por dica do marido, o também escritor Paul Auster, por cá alinhavou parte da trama de Elegia para um Americano, obra suspensa do espírito do seu falecido pai.
Não é a sua primeira vez em Lisboa…
Na verdade, por indicação do meu marido [o escritor Paul Auster] que aqui esteve a fazer um filme [A Vida Interior de Martin Frost], acabei por escrever parte deste livro em Lisboa. Ficámos num sítio muito sossegado, nos arredores da cidade. Não atendia telefonemas, só escrevia durante horas e horas, e depois de jantar dava um passeio. Lisboa é um local fantástico para se escrever. Mas normalmente escrevo na nossa casa de família em Brooklyn. É uma casa de quatro pisos e eu trabalho no último andar. Cada um de nós tem um andar. Precisamos de uma casa assim tão grande para os nossos livros que estão espalhados por toda a parte.
A mãe do protagonista desta história comenta que uma das coisas que mais sente falta é partilhar as histórias do dia-a-dia com o falecido marido. Quem cumpre esse papel na sua vida?
Eu e o meu marido, ambos cumprimos esse papel mutuamente. Mas esse desabafo da personagem foi um comentário que roubei directamente da minha própria mãe. É muito estranho, mas especialmente durante o primeiro ano da morte do meu pai foi como se esquecêssemos que ele tinha morrido. É uma espécie de processo inconsciente, involuntário. Até mesmo agora, dou por mim a pensar: “devia ligar ao meu pai e perguntar-lhe.” Esse é um fenómeno interessante sobre a morte: o facto de esquecermos que ela aconteceu.
Depois de Fantasias de uma Mulher deixou-se render de vez pelos protagonistas masculinos?
Esta é a segunda vez que escrevo numa perspectiva masculina. No livro anterior o protagonista é um homem mais velho. Estou a tentar explorar a geografia da condição humana. Desta vez escolhi um homem mais jovem. E já estou a trabalhar num romance em torno de uma mulher mais velha. Estou sempre a mudar a minha perspectiva. Neste livro o protagonista vive rodeado de mulheres de personalidade forte. Nele os pais são figuras ausentes.
E o universo infantil?
Adoro escrever sobre crianças. Parece que há sempre uma criança nos meus livros. Gosto da sua perspectiva diferente das coisas. São simples e complicadas. As crianças e os filósofos tendem a colocar as mesmas questões. É uma perspectiva menos experiente mas também com menos clichés.
O protagonista vai conhecendo o pai através dos seus diários. Gostaria que os seus livros ajudassem os seus descendentes a conhecê-la melhor?
Pergunta interessante. Para falar a verdade nunca pensei nisso. Quando conhecemos escritores de quem gostamos, há sempre um vazio entre o escritor e a pessoa, que não são idênticos. Essa ideia de deixar um legado é estranha. A minha filha leu os meus livros mas já em adulta, o que foi apropriado pois não se destinam a crianças. Espero viver para ser avó pois esse é um grande, grande desejo na minha vida. Mas não penso muito em deixar livros para os meus netos. Quando escrevemos, fazemo-lo para alguém que não sabemos definir.
No livro narra muitos casos clínicos de psiquiatria. É tudo fruto da sua imaginação?
Os casos foram todos inventados. Mas durante dois anos fui professora voluntária num hospital psiquiátrico e tomei conhecimento de muitos casos. Lidei de perto com doentes mentais. Claro que também fiz muita investigação, falei com especialistas. Além disso trabalho regularmente com um grupo de neuropsicanálise.
Nova Iorque é uma cidade neurótica?
Essa é uma boa questão: se Nova Iorque é mais neurótica que outras cidades. Não, não creio. Penso que a neurose está em todo o lado.
No novo livro a solidão é quase uma personagem. Crê que o 11 de Setembro aproximou as pessoas ou agravou essa sensação de solidão?
O 11 de Setembro foi algo muito especial, sobretudo para os nova-iorquinos que o viveram de tão perto, mas não creio que seja um marco na história da Humanidade. Afectou-nos porque foi-nos muito próximo. Interessante foi a consequente torrente de bondade. Foi algo extraordinário ainda que efémero. As pessoas metiam mais conversa entre si, partilhando o luto. Não há dúvidas que foram tempos extraordinários na história de Nova Iorque. E todos os que lá estiveram recordarão esses tempos para sempre.
Acredita nesta nova era Obama?
Sim, acredito! Rejubilei, chorei como um bebé, quando ele foi eleito. E ainda não desci à terra. Sabia que não tinha votado num radical. O Obama é um reformador. Ele tem correspondido às minhas expectativas.
Entevista de Vera Valadas Ferreira com Siri Hustvedt, no Destak, no dia 18 de Junho.
Quais são os seus heróis literários?
Shakespeare, Montaigne, Dickens, Dostoievski, Tolstoi,
Onde escreve melhor?
Tenho outro apartamento no mesmo bairro. É bastante espartano, sem distracções.
Quantas palavras escreve por dia?
Num bom dia, uma página – mais do que isso é extraordinário.
Como procrastina?
Leio as páginas de desporto do jornal.
Como celebra quando termina um livro?
Fico deprimido. De repente fico desempregado e num fosso de tristeza.
Qual o tema mais difícil de se escrever?
Sexo.
O que mudaria, se pudesse voltar atrás?
Muitas coisas, mas não sinto uma vontade real de fazer isso. Tenho de viver com os meus erros e aprender a ser uma pessoa melhor.
Como é viver consigo?
Geralmente, sou muito amável, mas tenho os meus momentos de isolamento.
Quem escolheria para desempenhar o seu papel num filme sobre a sua vida?
Buster Keaton. Fui dar um passeio a pé há dois anos, num dia em que estava a nevar
Se pudesse ser dono de um quadro à sua escolha, qual seria?
Os retratos de Rembrandt do seu filho Titus, a estudar as suas lições. É comovente e maravilhoso e é a melhor representação da infância que já alguma vez vi numa pintura.
Que romance daria a uma criança para a introduzir na literatura?
Dei à minha filha o Monte dos Vendavais quando ela tinha onze ou doze anos.
Como se chamaria o romance sobre a sua vida?
Os Altos e Baixos e Longa, Acidentada Carreira de PA.
Entrevista de Anna Metcalfe com Paul Auster, na secção "Small Talk", do Financial Times, publicada no dia 6 de Junho.
Este não é o primeiro, nem o segundo livro de Siri Hustvedt. É mais um livro a provar o talento de uma escritora que merece ser conhecida pelo seu nome difícil de soletrar, e não pelo facto de ser mulher de um dos escritores mais celebrados da actualidade. Siri é mulher de Paul. Mas a escrita de Siri existe independente da escrita de Paul. Tem uma voz e uma identidade própria, uma sensibilidade única. Siri Hustvedt é escritora e acontece ser mulher de Paul Auster, também escritor. Há casos assim.
Leia na íntegra o artigo de Isabel Lucas sobre Elegia para um Americano, de Siri Hustvedt, publicado no Semanário Económico, no dia 20 de Junho, aqui.
Um romance de equilíbrio perfeito entre a "acção" e a sua "digestão" na mente do narrador, num género que bem se podia catalogar de "acção psicanalítica".
Leia na íntegra o artigo de Cláudia Moura sobre Elegia para um Americano, de Siri Hustvedt, publicado na Notícias Magazine, no dia 21 de Junho, aqui.
A escritora Siri Hustvedt esteve em destaque no programa Ensaio Geral, da autoria de Maria João Costa, que passa na Rádio Renascença, às quintas-feiras, depois das 23.30. Ouça a entrevista com a autora de Elegia para um Americano aqui.
Os seus livros convidam naturalmente ao debate, como se prolongássemos o jogo intelectual presente nas suas páginas, e Hustvedt é uma interlocutora estimulante. Dessas que tem tudo para dar certo (se não der a culpa não é dela).
Leia na íntegra a entrevista de Kathleen Gomes a Siri Hustvedt, publicada hoje no suplemento Ípsilon do Público, aqui.