A filha da realeza literária está a traçar o seu próprio caminho – e tem em Salman Rushdie o seu maior fã.
Não perca a entrevista de Sophie Auster ao The Sunday Times aqui. Pode também ler a entrevista da cantora ao El Mundo aqui.
Estas são as últimas coisas, escreveu ela. Uma após outra, desaparecem para nunca mais voltarem. Posso falar-te daquelas que vi, daquelas que já não existem, mas duvido que haja tempo para isso. Tudo se passa demasiado depressa agora, e eu já não consigo acompanhar o curso dos acontecimentos.
Não estou à espera de que compreendas. Tu não viste nada disto, e, mesmo que tentasses, não serias capaz de o imaginar. Estas são as últimas coisas. Uma casa está aqui um dia, e, no dia seguinte, desapareceu. Uma rua por onde caminhámos ontem já não existe hoje. Mesmo o tempo varia constantemente. A um dia de sol segue-se um dia de chuva, a uma dia de neve segue-se um dia de nevoeiro, um suave calor dá lugar ao fresco, o vento a um ar parado, a um período de um frio cortante sucede, no meio do Inverno, uma tarde como a de hoje, uma tarde de uma luz fragrante, tão cálida que não precisamos de vestir mais do que uma simples camisola. Quando vivemos na cidade, aprendemos a não contar com coisa nenhuma. Fechamos os olhos por um momento, viramo-nos para olhar para outra coisa qualquer, e, de súbito, aquilo que tínhamos à nossa frente desapareceu. Nada dura, compreendes, nada, nem mesmo os pensamentos dentro da nossa cabeça. E não vale a pena perdermos o nosso tempo à procura seja do que for. Quando uma coisa desaparece, é o seu fim.
É assim que eu vivo, dizia ainda a carta dela. Não como grande coisa. Apenas o bastante para me permitir avançar, para dar um passo e outro, não mais do que isso. Por vezes, a minha fraqueza é tão grande que sinto que nunca conseguirei dar o passo seguinte. Mas lá acabo por dar. Apesar dos fracassos, continuo a avançar. Gostava que visses como me tenho desenvencilhado bem.
As ruas da cidade estão por todo o lado, e não há duas ruas iguais. Ponho um pé à frente do outro, e depois o outro pé à frente do primeiro, e, depois, espero poder fazê-lo de novo. Nada mais do que isso. Tens de compreender como é que as coisas se passam comigo agora. Eu movo-me. Respiro o ar que me é dado, seja ele qual for. Como tão pouco quanto possível. Digam o que disserem, a única coisa que conta é uma pessoa manter-se de pé.
Lembras-te do que me disseste antes de eu partir. William desapareceu, disseste, e, por muito que o procure, nunca o encontrarei. Estas foram as tuas palavras. E eu respondi-te que tanto me fazia o que tu achavas ou deixavas de achar, que eu ia encontrar o meu irmão. E, depois, embarquei naquele barco horrível e deixei-te. Há quanto tempo foi isso? Já não consigo lembrar-me. Anos e anos, creio. Mas isto é apenas uma suposição. Sejamos francos. Eu perdi a noção do tempo e nunca haverá nada que me permita recuperá-la.
Há pelo menos uma certeza. Sem a fome que sinto, não poderia continuar. Temos de nos habituar a sobreviver com tão pouco quanto possível. Querendo menos, contentamo-nos com menos, e, quanto mais escassas forem as nossas necessidades, melhor nós vivemos. Eis o que a cidade nos faz. Vira-nos os pensamentos do avesso. Faz-nos querer viver, e, ao mesmo tempo, tenta tirar-nos a vida. Não há maneira de fugir a isto. Ou conseguimos ou não conseguimos. E, se conseguimos, não podemos ter a certeza de que, da próxima vez, conseguiremos. E, se não conseguirmos, não haverá próxima vez.
Não sei porque é que te estou a escrever agora. Para ser franca, mal pensei em ti desde que aqui cheguei. Mas, de súbito, ao fim de todo este tempo, sinto que há qualquer coisa a dizer, e que, se não a escrever rapidamente, a minha cabeça rebenta. Se tu o vais ler ou não, não importa. Nem sequer importa que eu o envie ou não – partindo do princípio de que seja possível enviá-lo. Talvez tudo se resuma a isto. Eu estou a escrever-te porque tu não sabes nada. Porque estás longe de mim e não sabes nada.
Continue a ler No País das Últimas Coisas, de Paul Auster, aqui.
É assim que as coisas funcionam na cidade. Sempre que julgamos conhecer a resposta a uma pergunta, descobrimos que a pergunta não faz sentido.
Esta é a história de Anna Blume e da sua jornada em busca do irmão desaparecido numa cidade sem nome. Mas tal como a cidade, a sua tarefa está condenada.
A cidade transformou-se num campo de batalha onde imperam a miséria, violência e a selvajaria. Todos procuram algo ou alguém que desapareceu. Todos lutam para suprir a fome: no sentido literal, uma vez que os alimentos são escassos; e fome também no sentido abstracto, pois os últimos resquícios de humanidade impelem os cidadãos a procurar o amor e a partilha de linguagem e significado.
Através da solidão de Anna, Paul Auster conduz-nos a um mundo indeterminado e devastado no qual o eu desaparece entre os horrores a que o lento apagar da moral humana conduz. Não se trata apenas de um mundo imaginário e futurista – mas de um mundo que reflecte o nosso e, ao fazê-lo, lida com algumas das nossas mais sombrias heranças. Nesta visão apocalíptica de uma cidade despojada da sua humanidade, pulsa um inesquecível romance sobre a condição humana.
“Uma fábula arrebatadora e surreal.”
Publishers Weekly
“Uma pequena e segura obra-prima… Auster é um romancista genial.”
The Sunday Telegraph
“Um dos melhores romances pós-apocalípticos.”
Library Journal
“Auster tem uma rara combinação de talento, alcance e audácia.”
The New Republic
“Um livro que faz lembrar em muitos aspectos 1984, de George Orwell… Auster criou dentro destas páginas um lugar tão real que poderia ser o nosso próprio país, ou até a nossa própria cidade.”
Atlanta Journal & Constitution