Escolher um livro onde Nova Iorque assuma um papel essencial é tarefa ingrata. Henry James, Rex Stout ou John dos Passos não perdoariam a preterência, mas a sugestão é Cidade de Vidro, adaptação para banda desenhada de uma das novelas de A Trilogia de Nova Iorque, de Paul Auster.
Sem nenhum dos tiques que costumam manchar as adaptações para BD, frequentemente redundâncias que se limitam a “contar aos quadradinhos” o que havia sido escrito, Karasik e Mazzucchelli, com a colaboração do próprio Paul Auster, criam uma obra que coloca a exploração das formalidades da linguagem da BD ao serviço de uma narrativa que tem a cidade como elemento axial.
A partir de um texto que vive da fragmentação narrativa, das histórias cruzadas e das indagações em torno da linguagem, Cidade de Vidro adopta uma abordagem gráfica receptiva à experimentação, à utilização de outras linguagens (como a infografia) e a uma incansável procura de soluções. O resultado transforma o labirinto verbal e narrativo de Auster numa exigente sequência de imagens onde a cidade se desdobra em reflexos enganadores, dédalos de ruas que passam do mapa para o cérebro das personagens e ilusões que cruzam o verbal e o visual. Não será a Grande Maçã dos bilhetes-postais, mas fará de qualquer viagem um mapa de interrogações sobre o que se vê.
Excerto do artigo “Dez Destinos, Dez Livros”, publicado na revista Os Meus Livros de Julho.