Estilhaçar os alicerces da ficção para depois procurar combinações improváveis entre os destroços tem sido, com alguns desvios, o programa literário de Paul Auster, e nem sempre com melhores resultados. Em Invisível, a ânsia de exibir malabarismos narrativos é refreada por uma maior atenção ao detalhe, à coerência das personagens e da estrutura e ao ritmo, e a leitura fica a ganhar.
Em 1967, um estudante universitário chamado Adam conhece um professor de origem francesa e a sua mulher, envolvendo-se num estranho triângulo, perturbado pela violência que o professor disfarça sob a capa de um quotidiano banal. A narrativa muda, quatro décadas depois, para a voz de Jim Freeman, um conhecido escritor que privou com Adam na juventude e a quem confia o manuscrito de um livro que está a tentar escrever enquanto a doença não o vence. Esse manuscrito dará continuidade à narrativa de Adam sobre a sua relação com o professor e a mulher, revelando a investigação que sustenta Adam e o próprio romance de Auster: o modo como a violência e os ímpetos mais animalescos se escondem nas aparências do quotidiano e o modo como a ficção os pode revelar ou ocultar, criando um labirinto de causas e consequências, mas igualmente um espaço de dúvida. A mesma dúvida que se insinua perante os romances de Auster quando se detecta neles a repetição de uma fórmula, agora melhorada pela atenção ao estilo.
Crítica de Sara Figueiredo Costa, a Invisível, de Paul Auster, publicada na Time Out Lisboa, no dia 4 de Novembro de 2009.
Paul Auster abandonou a sua zona de conforto, entregando uma das suas mais estimulantes e imprevisíveis histórias até à data.
Podem ler a crítica da Time Out New York a Invisível, de Paul Auster, aqui.
Escavar nas ruínas do passado quase nunca se resume ao encontro de velhas histórias, e é desarmante o modo como costuma revelar mais sobre quem procura do que sobre o que se encontra. As personagens de Elegia para um Americano confirmam a tese, e tese não é uma palavra ao acaso perante o romance de Siri Hustvedt.
Após a morte do pai, Erik, o narrador e psiquiatra à beira do colapso, e Inga, a sua irmã, viúva de um escritor aclamado pela elite nova-iorquina, iniciarão um processo de redescoberta. Um diário, várias cartas e outros documentos de família conduzirão os irmãos a um passado marcado pela Grande Depressão e pela diáspora, mas sobretudo pelas pequenas histórias, mentiras e segredos que frequentemente estruturam as relações. A demanda acabará por arrastar Max, o marido morto de Inga, para a lista de enigmas que agitam os irmãos, bem como Sonia, a filha de Inga, perturbada pela morte do pai e pela presença nas imediações das Torres Gémeas no momento da sua destruição. E depois há Miranda, a vizinha por quem Erik se apaixona, consumando apenas a sua insanidade crescente. A teia de fragmentos, pequenas revelações (por vezes, um verdadeiro anticlímax) e perturbações cedo se configura como um campo minado onde memória e identidade se enfrentam, até à revelação que o romance sublinha sem cessar, a de que ambas pertencem à mesma esfera, não havendo motivo para guerras.
Artigo da autoria de Sara Figueiredo Costa, publicado na Time Out Lisboa, no dia 27 de Maio.